Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

RELÓGIO DE PRATA

A Yasmyn

    Eu era uma criança. Não que tivesse idade para ser criança, mas meu espírito assim o era. A idade, até então, não havia se apresentado para mim como um baque de amadurecimento. A vida era leve, docemente leve. Comecei a namorar. Ainda assim, meu espírito era infantil e minha maior preocupação era reunir o time de vôlei na praia em frente à casa onde morava com meus pais.


    Lembro bem que o frescor da manhã me acordava todos os dias enquanto a visão da janela de meu quarto exibia uma praia incrivelmente ensolarada, que acariciava meu rosto. Não sei que energia invadia meu sangue e impulsionava-me para a vida... bem, para um jogo de vôlei, para ser mais específica. E se não estivesse disposta, sempre haveria alguém para incentivar a prática do esporte.


    - Então, vamos logo? - ordenava Bianca, uma morena cuja pele tinha a cor e o cheiro do sol do Rio de Janeiro.


    Eu também tinha a cor e o cheiro daquele sol, certamente. Ainda tenho hoje, apesar de ouvir o contrário de meus conterrâneos. Tenho ainda o sotaque cantante e chiado dos cariocas, mesmo ouvindo diversas vezes que minha fala está se distanciando da de minha terra natal. Não, nunca quis esse distanciamento. Mesmo os meus cabelos longos são cariocas, basta vê-los sob a luz do sol. O importante é que meu espírito continua lá.


    Divagações que me fizeram perder o foco do enredo... Então, certo dia, após uma partida violenta de vôlei que me fizera chegar em casa repleta de areia, meu pai anunciou:


    - Fui transferido. Vamos para outro Estado.


    E como a areia que cobria meu corpo, meu mundo caiu com essa notícia.


    - Não faz sentido. Há tantas oportunidades de trabalho com televisão aqui, por que motivo lhe transfeririam?


    - Exatamente por isso. Precisam de alguém com experiência por lá. Já está tudo certo. Prepare suas coisas. Partiremos daqui a uma semana.


    Hoje olho através de minha janela e não vejo mais aquela praia ensolarada. Ao contrário, a cidade acinzentada de cimento e concreto não me convida a levantar-me da cama. Não vejo mais Bianca, e sim milhares de pessoas nos seus trajetos casa-trabalho-casa, a maioria cabisbaixa e apressada. No caminho para a escola, em um metrô superlotado de pessoas que fixamente olham seus relógios de prata, tenho a impressão de que se dedicam a contar os minutos em que continuarão vivas para cumprir suas tarefas. O trabalho é muito, o tempo de vida é pouco. É necessário correr. Na saída do metrô, não há diferença: carros em alta velocidade ocupam seu espaço, ameaçando todos os demais em meio a reclamações.


    Sinto falta do frescor da praia. Fazem-me falta os sorrisos sob o calor intenso. E já comecei a planejar meu retorno, independentemente de meus pais. Entretanto, não sei o que de mim não retornará jamais. Sinto que uma parte de mim ficará no meio do caminho, não sei como definir. Penso que talvez eu tenha perdido um quê de meu sotaque. Ou que minha cor tenha perdido a vibração original. Reflito por muito tempo e finalmente descubro. O que perdi foi o meu espírito de criança, cuja única preocupação era o vôlei.


    Finalmente, amadureci, aprendi. Na verdade, agora percebo que todos amadurecem e isso é infalível. Somente agora compreendo as pessoas do metrô e como elas, vejo que o tempo, de fato, é um relógio de prata que está no pulso de todos, a contar os minutos de vida de cada um.     

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