Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CONFLITOS NA MESA DA GRANDE FAMÍLIA

Enquanto criança, ouvia os murmúrios de reclamação do fulano, irmão do beltrano, que devia para o sicrano. Todos eram parentes e de todo parente, algo se tinha a dizer. Os boatos se davam em meio às minhas brincadeiras, tanto que não me lembro de detalhe algum, mas certamente a família falava, falava um do outro.
Crescida, na casa de amigas, acontecia o mesmo. Conheci uma prima que desagradara o primo, dizendo que a namorada era egoísta e que não o faria feliz. Quinze anos, porém, passaram-se. O primo estava casado com a namorada egoísta que lhe dera três filhos que, consequentemente, também eram egoístas, na opinião da filha mais velha da prima.
E na sucessão de diz-que-me-diz-que, seguem os conflitos familiares, alguns com motivos seríssimos. Em um dos confrontos, lembro a discussão de filhos em torno do valor que a mãe deveria depositar na poupança mensalmente. A disputa era travada com eloquência, a argumentação pelo valor X ou Y se baseava em dados estatísticos ou em comparações com outras famílias. Enquanto isso, a mãe, já idosa, observava a todos com grande impaciência, tentando, a custo, fazer-se perceber. Vinte minutos se seguiram e o valor estava quase que estipulado, quando finalmente a mãe bradou: “De meu, nenhum centavo! Estou falida. A não ser que vocês façam uma vaquinha...” E a discussão logo findou com cada um a alegar um compromisso diferente.
Por outro lado, alguns murmúrios não têm nenhum motivo aparente, mas se baseiam em premonições ou percepções que ganham maior importância do que devem ter. Por exemplo, uns pressentimentos diziam ao cunhado que a cunhada fazia a cabeça do sogro do irmão mais moço a respeito de seu negócio sujo na Rua do Ouvidor. Apesar dessa confusão de parentesco, o importante aqui é dizer que a cunhada sequer conhecia o sogro e acreditava que o cunhado não tinha toda aquela fortuna como todos (tio, tia, primo, prima, etc., etc.) falavam.
Falatório vai, falatório vem e aquele antigo provérbio “família é família” continua nos dias de hoje, em qualquer lugar do mundo. E apesar da relutância de meu leitor em enxergar um sinal positivo em todos esses conflitos, teimo em apontar que é graças a essas confusões que existe um sentido de universalidade nessa instituição: se estiver longe dos seus e sentir saudades, reúna-se com a família de seus amigos e logo poderá reviver muitos episódios esquecidos.

  

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ANJOS DA GUARDA

          Em todo lugar, o inexplicável, o insondável, o mistério do impalpável estava presente. Não entendia muito bem quando meus pais pediam para que eu juntasse as mãos e conversasse com um Senhor de certa idade, que morava numa província longínqua. Eles diziam para eu agradecer pelo meu dia e dirigir meus pedidos a Ele. Então, assim eu fazia todas as noites antes de adormecer, mas nunca O ouvi, tampouco O vi.
               
          Nos finais de semana, o ritual era um pouco diferente: meus pais ora se sentavam ora ficavam em pé, a ouvir um homem com uma batina falando das maravilhas de Deus. Incompreendia aquela cena, então ficava pulando de um a outro entre as dezenas de bancos que ali eram postos, enfileirados como nos ônibus da capital paulista. Algumas pessoas da missa se desconcentravam com meus passeios nos ônibus, e logo meus pais assinalavam o término de minha viagem, segurando-me firme ao lado, pedindo-me para prestar atenção no senhor da batina.
               
          Em casa, o cenário não mudava muito. Na parede de meu quarto, um adesivo enorme com a figura de meu anjo da guarda demonstrava a crença de meus pais. Lembro-me bem de minha mãe ensinando-me a oração para meu anjo. Até hoje a sei, creio que mesmo não a usando não a esquecerei.
               
          Foi nesse ambiente que fui criada. Havia sempre o invisível a influenciar poderosamente a realidade. Não que eu não fosse prática, mas às vezes valia à pena acreditar em outras possibilidades. Decidi seguir a orientação de fé de meus pais: “Anjinho da Guarda, eu lhe imploro: faz o Carlinhos ficar comigo”. Como no dia seguinte nada sucedeu, pedi novamente: “Anjinho da Guarda, eu lhe imploro: faz o Carlinhos me dar um beijo”!
               
          Para minha surpresa, O Carlinhos beijou... beijou minha colega de sala, o que me fez duvidar do verdadeiro poder de meu anjo. Desisti de conversar com meu protetor e, rebelde, cobri o adesivo de meu quarto com um imenso pôster do Cold Play.
               
          Na semana seguinte, minha mãe apareceu com uma grande novidade: estava grávida, aos 45 anos de idade. Ficamos todos maravilhados – um bebê em uma casa é sempre divertido. Porém, no quarto mês, a bolsa estourou. O receio invadiu nossas vidas, e eu nem me lembrava mais do Carlinhos. A situação piorava, era necessário monitorar constantemente o bebê e permanecer em repouso absoluto.
               
          No auge do desespero, encerrei-me no meu quarto e arranquei o pôster que cobria meu protetor: “Olha, você me deixou na mão uma vez, mas agora peço-lhe de verdade: diz para o Papai do Céu salvar meu irmãozinho”!
               
          Ninguém nem o obstetra souberam explicar como a bolsa estancara sem nenhuma intervenção médica. Meu irmão nasceu perfeitamente e recebeu o nome de Miguel, o mesmo do Arcanjo São Miguel. Quanto ao Carlinhos, traiu minha colega com outra menina, também da minha sala. Às vezes me perguntam se acredito em anjos. Digo que nunca os vi nem os ouvi, mas que fazem muita coisa acontecer, disso não tenho dúvidas.