Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

Atrás do Crime - book trailer

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Histórias de Sítio e outras Estórias


   Meu pai é um perfeito contador de causos. Todos reais, segundo ele, e acredito que sejam mesmo. Numa dessas histórias, ele era um adolescente, cavalgando para casa por uma ruazinha de chão, estreita, iluminada pela lua (sim, não havia e ainda não há luz naquela estrada). Para que a história seja bem-detalhada, melhor dizer que ele morava no meio do nada, entre sítios nem sempre ocupados e o vizinho mais perto residia a incríveis dez quilômetros. Talvez mais, quem é que mediria as distâncias naquele fim de mundo?

   Então, numa noite em que era guiado pelo cavalo, pois ele mesmo não enxergava um palmo na frente do nariz, eis que o sinistro ocorreu.

   Num trecho rodeado por capim Santa-Fé (meu pai o sabia pelo farfalhar específico das folhas ao vento), o cavalo de súbito parou.

   “Vem bicho grande por aí”, pensou, achando por bem soltar as rédeas para que o cavalo assumisse o controle, caso fosse necessária uma fuga. O cavalo deu um passo à frente e se arrepiou todo.  A respiração do animal ficava mais ofegante à medida que se aproximava do capinzal. Passo por passo era dado com muito receio, até que disparou, correndo sem controle.

   O cavalo só parou em casa. O pelo úmido, puro suor.

   “Que bicho que assustou o cavalo, pai?”

   “Até hoje não sei. Não vi nada... mas que era grande, ah, isso era!”


  

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Casa Assombrada de Memórias

   No quarto dela, havia um guarda-roupas muito antigo. Era escuro, gigantesco e assustador. Aninha jamais punha suas roupas nele. Temia que fosse devorada pelo móvel. Então, simplesmente delegava a tarefa à avó. A idosa esboçava um sorriso chupado quando via a bagunça no quarto e compreendia o temor de Aninha, tomando para si a responsabilidade de guardar tudo.

   À noite, quando Aninha ia para o quarto e se deitava na cama, ao lado do roupeiro maligno, sua imaginação disparava e ela temia que o móvel fosse ganhar vida.

   Era difícil viver na casa da avó depois da morte do pai e da mãe. Aquele lugar pertencia a uma outra história; não a dela. E o roupeiro era assombrador; assim como o quarto, a cozinha e todo o resto, mobiliado com móveis carregados de vidas passadas – velhos e sombrios, como se carregassem pesadelos de outras gerações. A sensação não podia ser diferente: até as paredes eram horripilantes, ornamentadas com retratos de pessoas já mortas. Todas, sem exceção, haviam partido para o além, mas continuavam sorrindo maquinalmente, como se, antes de partirem, tivessem que registrar que a vida foi boa, porém, a morte existia.

   Aninha chorava às escondidas. A avó e sua idade avançada representavam mais um fim à espreita.

   Um dia, decidiu fugir daquele lugar. Aninha precisava de paz, de sossego. Acabaria enlouquecendo naquela casa, vivendo entre os mortos e dormindo diante daquele roupeiro. Ela desapareceu no ano de 2017, para nunca mais voltar.

   Lá fora, acabou descobrindo que o perigo real estava nos vivos.