Atrás do Crime - conquistando os leitores do Brasil

Atrás do Crime - book trailer

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

DOZE MALAS E UM BEBÊ



   O ventilador de teto mal fazia vento algum. Só um barulho incessante e inconveniente – nhéc-nhéc-nhéc – perturbava os ouvidos. Mosquitos competiam com o som irritante, zumbiam e zombavam enquanto tentávamos dormir. Aquele hotel, de latrina entupida e café da manhã incerto, foi nossa casa por 12 dias.

   Enquanto isso, procurávamos uma residência para alugar. Com móveis, claro, porque tínhamos deixado toda a mobília no Brasil. E se tivéssemos decidido levá-la, teríamos que aguardar 2 meses para o navio abarcar na África do Sul e mais 30 dias para a alfândega liberar o contêiner até a Namíbia.

   “Melhor deixar no Brasil”, meu marido e eu concluímos, pegando o avião com 12 (sim, DOZE) malas, e uma criança, dormindo no colo.

   Meu marido ia empurrando dois carrinhos no Aeroporto Internacional de São Paulo (Cumbica), derrubando bagagem por todo o lado e maldizendo quem via pela frente. Estava estressado por ter que levar tanta coisa (detalhe: duas malas GRANDES eram de fardas dele, repito, DELE). Por sorte, a companhia aérea optou por não cobrar o excesso de bagagem, o que nos deixou mais felizes e menos duros.

   Pegamos o avião às 20 horas. Não fomos direto à Namíbia, porque a passagem custaria o dobro!, já que foi comprada em última hora. Fizemos uma pequena baldeação até a Alemanha, o que me fez lembrar da época em que eu detestava pegar ônibus pinga-pinga (conhece o termo?).

Aprendendo a dividir espaço
   Quando desembarcamos, às 8 horas da manhã (horário local), em Frankfurt, nos entreolhamos: “Não devia ser dia?”. Ficamos espantados com a persistência da noite naquele inverno de congelar até gaúcho, e fomos direto para o hotel, descarregar a mudança, digo, as doze malas. Rapaz, confesso que tive ganas de enfiar aquela bagagem toda no... armário do hotel e esquecê-las lá mesmo!
 
Heidelberg - Alemanha
   Pois bem, depois de uns passeios gastando nossos preciosos Reais que, trocados por Euro na Europa, me fizeram pensar, por algum motivo irracional, em papel higiênico, embarcamos num voo para Namíbia.

   Que delícia! Mais doze horas num avião confortável – com meu filho deitado em três assentos, dois dos quais não eram dele, e chutando ora a mim, ora a meu marido, alternando acertar o queixo de um ou de outro – e, enfim, chegamos ao continente africano.

   Lá, uma agente da Polícia Federal Namibiana nos recebeu, falando uma língua cheia de erres, o que me fez duvidar de que o inglês era mesmo a língua oficial daquele país. Um alemão, atrás de mim, percebeu que eu não entendia patavinas e falou: “She wants you to stay behind the line”.

   Ah, ela queria que eu ficasse atrás de uma linha improvisada com fita adesiva vermelha, colada no chão, para que o aparelho dela me escaneasse. 

   No portão de desembarque, uns brasileiros que eu não conhecia, nos aguardavam. Fizemos amizade imediata – relação que persiste até os dias de hoje, mesmo que um deles tenha criticado meu primeiro livro à beça (fazer o quê? Amizade sincera.).

   12 dias se passaram, como eu disse anteriormente, até conseguirmos alugar uma casa – uma perfeita residência namibiana: grande, com muitos cômodos, mesa de jantar para 10 pessoas, ideal para um casal que tem, no mínimo, 5 filhos!
 
Nosso lar em Namíbia
   Não era o nosso caso, obviamente, mas no país menos habitado do mundo, achar uma preciosidade daquelas com móveis! e louça! e talheres! e roupa de cama!, ou seja, achar um lar onde viver por um ano em apenas 12 dias (quando nosso amigo levou 2 meses), foi mesmo uma bênção.

   Pronto: estávamos preparados para começar uma experiência incrível, para conhecer uma cultura e geografia inusitadas para nós.

   Passamos treze meses felizes, como se numa terra paradisíaca.
Com o querido Coronel Haibodi

   Quando voltamos ao Brasil, a presidente já não usava mais batom nem salto alto; em vez disso, tinha uma cabeleira grisalha atraente. O paraíso (onde as atendentes dos mercados brigavam entre si para que você passasse as compras com elas) ficou para trás, ficou em África. Mas as lembranças, certamente, persistem – no cartão de memória da máquina fotográfica e, claro, na nossa mente.


   A experiência na Namíbia resultou na produção de contos de suspense. Conheça-os no link:

                            https://www.amazon.com.br


   Se quiser um conto de presente, mande e-mail para cristiane.krumenauer@gmail.com, solicitando um dos títulos.

   Grande abraço.

                                                                       
  Cristiane Krumenauer                
  Autora de Chamas da Noite; Atrás do Crime; Contos da Namíbia






quinta-feira, 23 de novembro de 2017

MINHA VISITA À CIDADE-FANTASMA




Era feriado prolongado na Namíbia. Como já tínhamos conhecido o norte do país, decidimos nos aventurar para o sul, até uma cidade chamada Lüderitz.

Preparação para a viagem de 7 horas e 47 minutos, de Windhoek até lá, com vários quilômetros apenas de deserto: muito lanche e muita água. Afinal, se o carro enguiçar, temos que esperar algumas horas até outro veículo passar e oferecer ajuda. E em meio ao nada, sem sinal de celular, com a possibilidade de interrompermos a jornada devido à tempestade de areia que cruza o asfalto, aprendemos que o melhor é nos precaver.

E assim, partimos. O jipe branco deslizando na rodovia retilínea em pleno deserto. Paramos em um restaurante no caminho, comemos apetitosas coxinhas das asas – com gordura suficiente para manter o colesterol alto por vários dias –, bebemos refrigerante cor-de-rosa – que ricochetearia qualquer diabético –, e  voltamos esbaforidos para o carro, ligando o ar-condicionado no máximo antes que derretêssemos no caldeirão do lado de fora. Sério: quem vive em regiões assim consegue sobreviver a qualquer coisa! Qualquer coisa!

Como se não bastasse o calor e a alimentação maléfica, meu filho, à época com 3 anos, começou a se inquietar na cadeirinha. Meu pequeno já tinha passado as primeiras horas da jornada dormindo e, à tarde, queria liberdade, queria sair correndo pelo deserto até ser soterrado de areia com as rajadas de vento. Fiz todas as brincadeiras que conhecia para convencê-lo a se acalmar, e inventei outras mais. No fim, quem estava exausta era eu – o que não significa que eu conseguiria dormir. Dormir, na Namíbia, passou a ser um obstáculo praticamente intransponível. Só depois de comprar potentes humidificadores conseguimos resolver o irrelevante problema com a insônia.

Sete horas depois, quando todas as músicas que tínhamos já tinham sido tocadas; e quando meu filho já tinha se convencido de que chorar não o teletransportaria de volta para casa, é que chegamos à impressionante cidade-fantasma Kolmanskop.

Kolmanskop – a cidade cujas casas foram sendo engolidas pela areia após serem abandonadas por seus donos – é o perfeito cenário de um filme de suspense. Muitas construções não suportaram os anos e foram se entregando ao deserto, confundindo-se com ele. Até caminhar de uma casa à outra é missão para quem tem bom preparo físico, pois os pés afundam na areia, deixando claro que se você deixar, vai ser engolido também.

Depois de conhecer a cidade-fantasma sob o calor de 40 graus, partimos para Lüderitz. A distância era de apenas 13 quilômetros, mas o vento gelado do Oceano Atlântico fez a temperatura cair para 12 graus!

Desembarcamos do jipe, batendo o queixo de frio, e tentamos conhecer a cidade a pé. Àquela altura, não é preciso dizer que logo desistimos do intento, porque preferimos nos refugiar num café e escapar do vendaval violento que faz os moradores manterem janelas e portas cerradas.

Dormimos cedo naquele dia. Ou melhor, tentamos dormir, num hotel que parecia adentrar o mar.

O clima põe à prova, mas a paisagem é inesquecível. Fica na memória. Por isso, escrever o conto Kolmanskop – Assassinato na cidade-fantasma foi um dos trabalhos mais fáceis para mim. Afinal, eu senti na pele o que meu personagem sentiria. O resultado foi uma trama cheia de suspense e, lógico, com muita areia (risos) do deserto.


Foto tirada para ser a capa do livro. 


Interior de uma residência sendo invadida por areia ao longo dos anos



Em frente a um casarão abandonado


  




KOLMANSKOP - ASSASSINATO NA CIDADE-FANTASMA é o livro 4 de Contos da Namíbia. Não é necessário ler os livros anteriores, eles não são uma sequência. Está disponível no link: 



Bata um papo com a autora. Gosto muito de conversar:





Luderitz Nest Hotel

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

NEGROS, BRANCOS E PARDOS: É PRECISO ACREDITAR


     Passei o fim de semana, ouvindo negros, brancos e pardos, agredindo-se nas redes sociais, defendendo sua posição neste ou naquele índice apurado pelo IBGE, acerca da desigualdade social e sua relação com a cor que a pessoa tem ou diz ter. 
     Enquanto uns lastimam a falta de esperanças numa melhoria de condição social por serem negros ou pardos; os brancos que também são pobres, levantam seu discurso de indignação, reclamando sua cota de benefícios nesse ou naquele programa social.
     E, enquanto ficam se agredindo, esquecem que o tempo é precioso demais, especialmente para os mais necessitados, e que deveriam dedicar-se a atividades que, de fato, fariam suas vidas mudarem, tais como o estudo e o trabalho, mesmo que o início decisivo para melhorar a vida, não resida nisso. 
     O primeiro passo, e o mais difícil de todos, não é estudar tampouco trabalhar. É acreditar. Tudo começa no pensamento. Pensar que é possível, quando os indicadores apontam o contrário, quando a vida inteira tem mostrado o contrário, certamente, é a atitude mais intricada de todas. 
     Para ajudar a pensar diferente, cito alguns exemplos de pessoas que mudaram suas vidas porque acreditaram em si: o incrível Machado de Assis, que embora mulato e pobre, conseguiu ser reconhecido em sua época, século XIX, quando os resquícios da escravidão ainda eram evidentes por toda a parte do Brasil. 
     Cito outro: Lima Barreto. Jornalista e escritor, com avós que fizeram parte de povos escravizados, soube retratar o Brasil como ninguém. Suas obras são dignas de serem estudadas até nos dias atuais.
     Cito mais um: eu mesma. Embora branca, fiz parte dos índices de baixa renda, morando numa cidade minúscula, sem escola particular, nem cursinho de línguas e, obviamente, sem universidade. Nada disso me impediu: fiz inglês, espanhol, francês, graduação, especialização, mestrado, e estou prestes a publicar meu nono livro (um suspense psicológico, que retrata as mazelas geradas pelo preconceito histórico da sociedade). 
     Acreditar, portanto, é essencial. É o que leva ao segundo passo: agir. 
     As ações são penosas, farão abdicar de prazeres mundanos. Enquanto seus amigos estiverem gastando os últimos tostões com cerveja, roupa nova, celular de última geração; você estará pagando seus estudos, comprando livros, e usando aqueles tênis furados que enchem de água quando chove. Recusará convites para o shopping center porque precisará trabalhar e estudar, ao mesmo tempo; e será considerado diferente pelos amigos por causa das suas prioridades. 
     Com o tempo, o agir vai levá-lo a algum lugar. Você não ficará rico, provavelmente. Mas estará numa posição mais confortável. Alguns amigos podem até chamá-lo de esnobe, embora saibam (todos eles) o quanto você lutou para melhorar de vida. 
     Então, negros, brancos e pardos, sugiro que acreditem. 
     Sugiro também que ajam. A pobreza, injustiça, desigualdade existem - isso é visível, é irrefutável. O que faz a diferença é persistir. Cair e levantar, cair e levantar.
     Eu acredito, sempre.
     Não pode haver mazela social que supere a nossa persistência. 
 


                                                         Cristiane Krumenauer
                                                                  Escritora



     Conheça mais da autora:


     Contos da Namíbia. Disponível em e-book:
https://www.amazon.com.br/s/ref=nb_sb_ss_c_2_20?__mk_pt_BR=ÅMÅŽÕÑ&url=search-alias%3Dstripbooks&field-keywords=cristiane+krumenauer&sprefix=cristiane+krumenauer%2Caps%2C258&crid=31XG4JKLYL8CX


    Romances Policiais. Impresso. Disponível na Saraiva:

https://busca.saraiva.com.br/busca?q=cristiane+krumenauer